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"Que vidas passam à nossa frente?"

  • Prof. Acúrcio Domingos
  • 20 de jan. de 2022
  • 2 min de leitura

Na entrevista de que dei conta, há um registo impressivo e que deve impressionar pais, professores e auxiliares, no fundo a rede mais complexa onde se realizam e sedimentam todas as aprendizagens. Salienta a entrevistada a tristeza dos alunos, em relação à aprendizagem. De que forma podemos/devemos afastar esta tristeza dos nossos alunos? Retomando um conselho sábio de Padre António Vieira, de que não podíamos pregar a gente com fome, é fácil de perceber a dificuldade que teremos em sumariar, aos ouvintes atuais, as aprendizagens que eles precisam de alcançar, sem termos resolvido, previamente, o lastro onde tudo isso pode ser devidamente acondicionado. Sem medo de muito errar, atrevo-me a dizer que poucos de nós, conhecemos verdadeiramente a vida dos nossos alunos. Sinalizamos comportamentos por disrupção, por discordância do modelo padrão, mas poucos somos os que mergulhamos tranquilamente na escuta serena do que vai no interior de cada um deles. Na lufa-lufa que é a vida escolar para a maior parte dos professores e, sobretudo, Diretores de Turma, pouco sobra de tempo e resistência interior, para descermos às fundações. Que vidas passam à nossa frente? Que alunos precisamos de cuidar, com maior demora e discernimento diferenciado? Como conseguimos envolver as suas famílias na solução diante de um diagnóstico complexo? A cultura da Eça, desde os remotos Viveiros, tomou sempre como horizonte de relação vital o acompanhamento dos alunos desde o berço familiar. Bem sei que hoje é muito difícil avançarmos para essa vertente de relação, até porque os próprios pais estão longe de conhecerem a fundo os filhos que geraram. É pena que os modelos sociais e de trabalho que criámos, no modelo capitalista e liberal que impera e manda, roube, e não há outra palavra para eufemizar a falha, o tempo familiar fundamental à educação e socialização básica dos filhos. Temo que estejamos a criar alunos que um dia apenas se queiram relacionar connosco de forma virtual. Já estivemos mais longe. É também por isso por isso que o digital não é a solução milagrosa para a aprendizagem. Sem o toque de magia das relações pessoais, tudo o resto, cede. É por isso que, revigorado pela missa deste Domingo, creio que o grande milagre da escola e da vida é o cuidado e a alegria de servir um vinho de boa qualidade na boda que todos os dias deviam ser as nossas aulas e as relações que nelas e fora delas tecemos. Não com isto esteja a sugerir acrescentarmos aos sumários do dia, uma gota de álcool bom, longe disso. Sugiro, apenas, que sejamos capazes todos, alunos, professores, auxiliares e pais, de estar atentos àquilo que é necessário para que a aula seja uma partilha viva e a vida na escola descole do sentimento de angústia, tristeza ou stress, que a Presidente do Conselho Nacional de Educação sinalizava. E o papel dos alunos, onde fica? Naturalmente, há uma parte do trabalho que só eles podem assegurar. E têm de o fazer. Vir e ajudar a criar a “festa”, sob pena de perderem a capacidade e autonomia de poderem voar como verdadeiros “bandos de pardais à solta”, assumindo cada um o desafio particular de ser verdadeiro “Fernão Capelo Gaivota” nas várias vertentes da sua vida. Boa semana.


Lisboa, 16 de dezembro de 2022


Texto: Acúrcio Domingos


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