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À Professora Ana Paula...

  • Prof. Acúrcio Domingos
  • 5 de abr. de 2022
  • 2 min de leitura

Ao jeito dela, como ela gostava sempre de ser e estar: discreta, atenta, sem dar nas vistas. Foi assim em vida e a sua vida, que a morte atraiçoou, atravessando-se no seu silêncio, roubando-lhe, aparentemente, um último adeus aos colegas, familiares e amigos, à vida. Todavia, mesmo nesse limite último, não deixou de no-lo fazer chegar, também de mansinho, sem ruído, esculpido em palavras que faziam adivinhar o pior, mas onde ainda morava uma réstia de esperança. Diante de um desenlace brutal destes, servido sem eufemismos, a frio, a escola, em uníssono, fez-se ouvir, outra vez. De repente, sentimos que o nosso lugar era ali onde todos estivemos. Todos. No único sítio onde podíamos estar, olhos nos olhos, a verter ou a conter lágrimas, que eram pela Ana Paula em primeiro lugar, pelos outros colegas também, professores, alunos, funcionários e, também, por nós, ali todos representados na perda. Que lição, servida na geometria implacável de um minuto, mas onde se desenharam tantos desejos, tantas saudades e tantas palavras que acabaram por nunca chegar aos destinatários… Que exemplo, maduramente servido, sem rede, ou vergonha, a confirmar a têmpera de que a escola é feita e que precisa de ser mantida e alimentada. Que dignidade, daquela que nos faz ter orgulho na matriz que temos e no caminho que há muito trilhamos, doseando a emoção a emprestar às palavras e aos gestos… Hoje, diante da confirmação genuína do que sentimos e coletivamente partilhámos, agarrámos a vida pelo seu melhor lado, o único que justifica entrega e paixão, de uns aos outros, em qualquer geografia ou tempo. Hoje, confirmámos, uma vez mais, que a única centelha de eternidade que conseguimos herdar dos deuses mais não é do que o fio de bondade de que somos ou não capazes e devemos deixar atrás de cada um de nós. Para lá das sombras e da morte!


Lisboa, 24-3-22

Acúrcio Domingos



1 comentario


Invitado
07 abr 2022

Fiquei a refletir no teu belo texto Acúrcio, repleto de sentimentos e ensinamentos.

Nunca temos presente a finitude, a nossa e a dos outros. Levantamo-nos, deitamo-nos e pelo meio vivemos uma sucessão de horas, por vezes de forma apressada sem as saborearmos e agradecermos devidamente.

A morte abranda-nos, a ausência dos corredores da escola e a impossibilidade da simples troca de sorrisos com quem partiu, faz-nos sentir um vazio, a saudade, a perda.

Mas há também o silêncio partilhado que nos une que nos faz estar mais perto uns dos outros. O silêncio partilhado que nos reconforta que nos fortalece que nos faz seguir em frente e alimentar as boas memória que temos de quem partiu e nos tocou.


"No…


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