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Seus passos são tão iguais quanto mero concreto ultrapassado

  • Daighoro Calonge
  • 1 de fev. de 2022
  • 5 min de leitura

Cigarro fumaceando, corrói-se, bituca vai para o chão, o passo se põe a diante. Primeiros semáforos, um mais lento que o outro, com exceção o último, se não passar no vermelho você perde tempo, ou um caminho inteiro. Se passa por um dos lados da rotunda, se circula minimamente um posto de gasolina junto à uma loja de conveniências, mais dois semáforos, andando sobre o que seria um túnel enorme debaixo do eu andar, cabeça para frente, olhando os traços solares e seu rio deserto de concreto. Por uma descida (já é progresso o suficiente), se ganha com os sons dos carros vindos de trás. Ótima melodia. Desgraçado e que o diabo amaldiçoe quem buzine nessas horas. Os passos vão afundando no ténis de sola desgasta, o vento desfazendo o penteado sempre na direção contrária. Ao caminho se portar reto, ao viaduto crescendo sobre a cabeça, aos moradores de rua que se encontram debaixo deste convivendo com inimagináveis cheiros e ao primeiro camião cujo motor estronda bem ao passar ao lado... Nada a dizer, apenas se anda, só. E mais três semáforos, por onde passam os autocarros fazendo uma travessa na visão, mas não vão muito longe, há pessoas com caminhos quase iguais. Passei por dois locais de onde partia muitos autocarros e à penumbra da janela se sombreava o olhar enlouquecido de uma jovem que se despediu do namorado. Não conseguia chorar. Caminho em frente, seguindo frente toda a vida. Final do viaduto, os carros descem, a sensação sonora tem a sua quebra à frente. Um terreno baldio e as construções estão desativadas. Queria tanto que o guindaste caísse. Mais em frente à esquerda, está um túnel; carros entram e saem em direções opostas sem encontros, só feixes de batidas. Uma poça enorme d’água de uma chuva no dia anterior muito à minha esquerda, os desgraçados dos motoristas coçam as orelhas com alguém como eu próximo a elas. Além da empresa que fabricam entregadores com uniformes reutilizados sobra mais um semáforo com defeito. Parece que eu comecei o caminho daqui. Parece. Construído à minha direita está o que parece ser um armazém, uma instituição, uma base militar, fábrica de biscoitos... Qualquer lugar que lembre um passado remoto em que ocorra uma violação ou uma fogueira com um latão de metal com cães e sem-abrigo em volta. Janelas, lâmpadas e paredes quebradas apenas guardam o inabitável. Mais à frente, um pequeno curto espaço do mesmo lado, albergando apenas um terreninho de relva e uma árvore com longos galhos, coberta de lixo e cheiro de urina. Se dentro do local ficava o abandono, naquele “quintal” era onde ficava o apodrecimento. Sempre que passo por esse lugar, às vezes dou uma espreitadela para explorar minha vontade de entrar lá. Os carros dessa vez saem do outro lado do túnel, mais velozes, parece. Até os camiões. Placas grandes presas ao arco retangular metálico é sinal de mais caminho à vista. Há um pedaço de calçada onde o chão não está desfeito, e me distraio brincando e me equilibrando na borda da calçada, o único que restava. Mais placas chegam adiante e o asfalto toma a impressão de se alargar. As sombras cobrem um maior pedaço do caminho em forma retangular. Mais além de outra placa de velocidade, há uma embalagem de frango engordurada, vazia e revirada junto de copos de refrigerantes com guardanapos sujos no fundo. Alguém terá me mostrado caminho... Numa curva há mais uma descida. Para subir. É uma região relativamente arborizada, o relativo fica pelos carros que se multiplicam em torno. Eu não dou a mínima para a natureza. Á minha direita, outro local abandonado. Esse lembra mais a parte de alguém viver lá dentro, tanto pela bandeira e dois carrinhos de supermercado com roupa manchada. Para simular a estrada eu passo para a via das bicicletas. Grande porcaria. Sonho em derrubar um ciclista... A diferença é que os carros ficam mais próximos, sobem parecendo mais resistentes, o som é curto e pesado. Os dos autocarros são enormes e esmagadores. Há apenas calçada, uma mínima calçada para pessoas sem rumo. Nada de novo à minha direita, apenas condomínios, imagino que estejam todos vazios. Um ciclista me alerta com o sino e eu me fixei nas folhas com o seu passar. Pouco a pouco, folhas somente caindo, lado brilhante e lado natural. As Tantas folhas a levantar voo, o invisível tem suas próprias dunas. A essa altura outro semáforo, dois. Uma outra rotunda minada de postes, separada por calçada, mantinha uma área seca de terra totalmente inútil. Alguns metros à frente se via mais desse marrom escuro evaporando terra com as pisadas. Galhos e mais galhos espalhados. À visão da luz do dia aquilo se tratava de uma interessante floresta, mas à noite não sei o que ocorria, aquilo era puro descarte. Me entendia saber onde eu estou, em frente a um café, ou próximo de condomínios ou esperando um sinal verde. É com uma certa facilidade que eu me familiarizo com a inutilidade... Ainda se sobe, subir toda a vida. Uma emissora de televisão a alguns metros da minha esquerda. Continua não passando de baboseira real. Se não fosse um único homem de jaleco preto saindo eu consideraria abandonado também. Os carros me acompanham, ainda vejo muitos subindo e desaparecendo lá a frente. São carros subindo, pneus do esforço das minhas pernas, sendo empurrados pelo chão. Começo a pensar em outras coisas como no café no meio do caminho, em dar meia volta para comprar um doce. O fim de uma descida, o começo de um túnel. Mais uma rotunda e eu fico com as sobras, mais carros que me fazem esperar. Os carros que me acompanhavam estavam mais à frente indo abaixo como numa montanha russa. Quanto mais os carros passam, mais eles planam ao seu lado, castanho é a cor do chão. Ainda falta subir mais um pouco, carros sobem e descem de direita para esquerda, à frente e atrás. Eu sempre vislumbrava uma certa parte do outro lado da janela do autocarro como a melhor parte da viagem de autocarro, andando se via mais tranquilo. Não há carros por instantes. Venta como se fosse no alto de um telhado, anda como se levasse um vídeo caseiro no peito, os olhos de movem como os momentos estremecidos, registrados. O sol pousa nas suas costas e um cómodo frio lhe toma passagem. Se é puxado por uma descida, quase ninguém passa por ali, os passos ali são para pingar numa manhã de sol, tal como aquela. Atravessando as vinheiras, um gato abandonado, longos hectares de erva, árvores, a longa curva as faz parecer bonsais enormes. Por mais que você andasse distraído, numa discussão com a namorada no caminho, sem saber o que fazer encontrando o animal abandonado no meio do nada como aquele, ou acompanhando o trajeto dos carros... Não é de se contar que aquilo ou era bonito, ou era do medo de se deparar com um sujeito mal-intencionado, ou nada de novidades, aquele caminho era pouco esterco comparado ao resto... Isso passava. Andava como se andasse sendo o protagonista de uma história. Não importando a velocidade com que as rochas se moviam, continuar era a definição de estar lá. Sem curvas, sem destino, sem direções, sem ideia. De longe eu via o aeroporto, via os aviões partindo. De igual maneira que lá no céu ficava a minha espera, uma chance de partir, bem longe de mim. Pensei em ir-me embora.


Texto: Daighoro Calonge, 11.ºINT


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