E depois ainda nos dizem para falarmos...
- Beatriz Mira
- 1 de mar. de 2022
- 4 min de leitura
Atualizado: 23 de jun. de 2022
“Falem.” “Não há voluntários? A sério?!” (revirar de olhos) “Ninguém quer responder?” (silêncio) “Mas por que raio é que nenhum de vocês fala?”.
Somos alunos. Somos sujeitos a constantes testes. Fazemos carradas e carradas de trabalhos, apresentações e muitas mais diversas avaliações. Somos postos à prova a cada dia. As nossas características socias, como à-vontade a falar, a responsabilidade e até a ímpar personalidade de cada aluno, são repetidamente observadas. Somos alunos e isso faz parte do nosso dia a dia.
A cada final de semestre/ período aparecem, como que por magia, umas folhas, que não são A4, mas também não são A3, nas paredes de vidro ou em placares próprios na entrada das escolas. As folhas tabeladas apresentam números e letras. Pergunto-me se depois de tiradas, servem para jogar batalha naval. Mas, por vezes, ainda afixadas, parecem verdadeiras guerras. Alunos que lutam por médias; professores que gladiam pelos que não querem saber. A pergunta que ronda o cerne destes pedaços de papel é: o que é que está lá refletido? E o que é que isso diz sobre os estudantes?
Uma nota não define um aluno. É do conhecimento geral que a nota final é normalmente composta por duas grandes dimensões que são algo como: Saber e Saber ser e estar. Apesar de os valores serem exatos, os professores são flexíveis. Alguns dão mais valor aos testes, outros ao esforço e empenho (embora dentro de certos limites, claro). Para uns a nota que aparece no final da linha do Excel é diretamente copiada para a pauta enquanto, para outros, qualquer coisa vírgula três arredonda para cima. Rogo sempre à minha cabecinha para que me explique a congruência da objetividade de como funcionam as aceitações nas faculdades portuguesas e as notas objetivas obtidas subjetivamente que são usadas para as médias. Penso que não devemos ser penalizados por um teste nos correr mal. Somos humanos, ainda não somos máquinas. Mas, pelo menos, apelo a que haja concordância na forma como cada professor ou professora faz as avaliações para os seus alunos.
A ideia deste artigo surgiu-me na reflexão de onze anos de escola. Cerca de 60 professores diferentes. E muitas, mas muitas conversas com colegas e desabafos de amigos mais velhos e outros mais novos. Não é uma crítica a ninguém em específico.
Se sobem alunos de 2 para 3 ou de 6,7 para 8 porque é que não sobem de 4 para 5 ou de 14.8 para 16 (dependendo da escala)? Se for pelo esforço, os que têm notas mais altas, não se esforçam tanto? Podem dizer que não é por isso. Podem dizer-nos o que quiserem. Há alunos, normalmente os que têm notas mais baixas, mas nem sempre, que concordaram. Contudo, a verdade, é que isto é o que muitos sentem e não dizem nada. Afinal, que poder é que temos? Nenhum.
A parte do Saber ser e estar tem a sua cota de peso. Existe um parâmetro em específico que me intriga. Aliás dois: autonomia e trabalho em aula.
A definição de professor segundo o dicionário da Porto Editora é “indivíduo que ensina”. Pressupõe que o sujeito ensinado não tem uma tão ampla biblioteca sobre os ensinamentos de dada matéria como o “indivíduo que ensina”. Ninguém nasce ensinado.
Quando entramos na escola, é-nos dito para perguntarmos tudo aquilo em que tivermos dúvidas, que os professores estão lá para nos responder. Isso tem-me dado coragem para questionar tudo o que não percebo dentro e fora da escola. Quem me conhece sabe que, se eu não souber, vão ter de me explicar. Nunca tive vergonha disso. De não saber.
Ultimamente vejo toda a gente a ficar calada. Eu também. Os professores estão lá para nos responder a perguntas, mas descontam na autonomia se as fizermos. Julgava, claramente de forma errada, que autonomia era estudar fora das aulas. Talvez até estivesse correlacionado com a quantidade de informação que vamos buscar à internet e não devíamos. Mas, pelos vistos, nem todos os professores concordam comigo.
Errar é-nos natural. E quase que seria uma pandemia, pela velocidade como prolifera o silêncio dos alunos. O medo de errar alastra-se. O que sentimos quando vemos a deceção nas caras dos professores (que é... apenas horrível) fala mais forte que a coragem para tentar. Nem sempre estamos nos nossos melhores dias, somos pré-adolescentes e adolescentes.... Duvidamos, mais vezes do que gostaríamos de admitir, do que fazemos e de nós mesmos. A nossa confiança já não é usualmente muito elevada, na maior parte dos casos. A nossa vida é passada maioritariamente na escola, mas não é a escola. Há mais situações do que aquelas que se passam nas quatro paredes de uma sala. Não sabemos muitas coisas. Detestamos ter consciência disso. Não gostamos de estudar e não obter os resultados proporcionais. E, muitas vezes, apenas não nos ensinaram antes coisas de que devíamos ter conhecimento. Não é porque não estudamos. Não é porque não queremos saber. Apenas não o é.
“Falem.” “Não há voluntários? A sério?!” (revirar de olhos) “Ninguém quer responder?” (silêncio) “Mas por que raio é que nenhum de vocês fala?”.
E depois ainda nos dizem para falarmos...
13 de fevereiro de 2022
Texto: Beatriz Mira

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