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Escola, Futuro e Mudança

  • EçaNews
  • 1 de mar. de 2022
  • 5 min de leitura

Atualizado: 23 de jun. de 2022

1. Todos nós sentimos a escola de forma especial. Depois de muitos anos de atividade, muita cosmética política e poucas mudanças estruturais sérias e participadas, alguma da nossa paixão esmoreceu, diminuiu muita da nossa ilusão inicial, aumentou o cansaço de todos, para além do aceitável, reduzindo, a maior parte da comunidade educativa, para não dizer a totalidade, a um conjunto de autómatos, prisioneiros de intrincadas teias burocráticas, sem qualquer rasgo ou alma, deixando todos, professores, alunos, assistentes operacionais, muito mais do que exaustos.


2. A Educação perdeu, há muito, infelizmente, a centralidade que devia ter na sociedade, por muitas razões.


3. A máxima aceite que a educação é a arma mais eficaz para mudar as sociedades e as desigualdades que ela encerra, esbarra, vezes de mais, na incompetência sistemática dos políticos acertarem, como deviam, nas propostas de políticas educativas, de organização e gestão escolar, de organização de programas, de organização de currículos, de aplicação de modelos de avaliação e de dinamização de processos de autonomia.


4. A escola foi-se reduzindo a uma espécie de acampamento, sempre à mão, para “encaixotar” os alunos, descurando a sua verdadeira natureza e ignorando as desilusões continuadas de todos os atores: alunos, professores, pais, assistentes operacionais e sociedade civil.


5. A falta de consenso alargado sobre esta matéria é gritante, acrescida de um desprezo propositado pelas alternativas ou sugestões de quem, no terreno, diante das dificuldades de implementação, sinaliza mudanças obrigatórias, que nunca acontecem e nunca são alargadamente discutidas.


6. Bastaria, mesmo que não se quisesse descer ao terreno da crítica, sentir o que os principais destinatários das políticas pensam delas, sabendo-se que o sentimento de grande parte dos alunos resvala aceleradamente para ilhas perigosas de abandono, apesar da presença física na escola, ou para terrenos escorregadios de desinteresse, de tristeza ou desilusão, libertando o foguete sinalizador desse estado de espírito em faltas ou em comportamentos pouco adequados.


7. Os professores fazem o que podem, envolvidos nesse turbilhão diário de emoções que misturam vontade de ensinar, confrontando-se com resultados que não podem espelhar esse seu esforço, nem a inteligência que reconhecem aos alunos.


8. A indisciplina é assim a legenda generalizada em muitos dos lugares de aprendizagem e o veludo das relações humanas, que devia acomodar algumas das arestas do crescimento dos alunos, é cada vez mais invisível.


9. O tempo de encontro e reflexão sumiram-se da escola dos nossos dias, substituídos por diretivas, orientações, despachos e outras ordens sem filtro ou sentido, numa mecânica que ofende a matriz crítica que qualquer espaço ou tempo escolar deve sempre preservar.


10. Em rigor, podemos dizer que chegámos ao tempo da extenuação duradoura, da que já nem dos períodos de interrupção letiva pode contar, apesar de serem tão necessários, retirando aos docentes a noção de corpo coletivo e desprezando ao limite máximo a alma de todos e de cada um.


11. Como sair do precipício para que fomos sendo empurrados e onde nos deixámos confinar, que é uma palavra em voga e adequada?


12. Cavalgando a ideia de que as crises devem gerar oportunidades, é tempo de arregaçar mangas e resistir, pensando conjunta e longamente, para lá do imediato e dos fogos fátuos.


13. Assaltam-nos algumas interrogações urgentes que precisam de palavra que as suportem e de vontade clara de quem pode e deve responder-lhes:

i) Fixadas as competências essenciais à saída do ensino obrigatório, como não encurtar os programas disciplinares, fixando, também aí, as matérias essenciais?

ii) Como não diminuir a carga horária diária exagerada dos alunos, libertando-os para tempo de pesquisa e reflexão, para ampliarem e densificarem os seus conhecimentos, reservando as aulas para a parte da manhã dos dias e os trabalhos de investigação, de estudo, os ateliers, os clubes para a tarde, fixando ainda um dia sem aulas para a concretização de projetos e do trabalho realizado nos outros tempos de aprendizagem (clubes, ateliers, laboratórios…)?

iii) Como não rever todo o sistema de exames, montado na velha e gasta lógica da aprovação ou chumbo, introduzindo um diploma de final de curso para o secundário, agora obrigatório, e reservando os exames de acesso ao ensino superior às próprias universidades ou Institutos superiores, podendo estabelecer-se, eventualmente, uma percentagem do peso do final do secundário a contar na nota final de ingresso?

iv) Como não constituir um tronco base disciplinar, quer no básico quer no secundário, diversificando as ofertas e favorecendo a lógica opcional na sua escolha aos alunos?

v) Como não introduzir espaços de investigação para os alunos, desde o segundo ciclo, com tutorias de proximidade por parte de professores, de cada uma das áreas envolvidas?

vi) Como não investir a sério nos professores, aproximando-os do que é essencial, a relação pedagógica de aprendizagem, libertando-os de constrangimentos administrativos (basta ver a quantidade insuportável de papéis inúteis a preencher), roubando-lhes tempo para a investigação, para a criatividade das

estratégias a desenvolver, e motivação para aferirem esse esforço com os resultados e com o ambiente escolar?

vii) Como não valorizar a profissão com uma leitura específica e justificada da atividade profissional desenvolvida, fixando um limite de 60 anos de idade e 40 anos de serviço para acederem à reforma, de modo a poder fazer entrar sangue novo e novas competências nas escolas, misturando novidade e maturidade, densificando, como é essencial, o trabalho desgastante do dia a dia escolar?

viii) Alguém acredita que a elasticidade mental de um professor, num tempo altamente acelerado e de relações de “desgaste rápido”, onde devemos incluir a atividade docente, pode acompanhar, sem esse cuidado e solidariedade intergeracional, os desafios que todos os dias chegam às escolas, sem prejuízo de se pensar em aproveitar alguns professores que queiram voluntariamente prolongar a sua atividade profissional, conferindo-lhes a confiança de supervisionarem e acompanharem o trabalho dos mais novos?

ix) Como não envolver trabalhos de parceria entre pares, aproveitando as aprendizagens dos alunos mais velhos, em benefício claro dos mais novos, numa tentativa justificada de responsabilidade social, valorizando tal trabalho não apenas com documentos de confirmação de tais atitudes inovadoras, mas com verdadeiros créditos a juntar a outras avaliações formais.

x) Como não desafiar os pais a mergulharem no esforço coletivo da formação dos seus educandos, aproveitando as especialidades de cada um, em benefício das áreas curriculares?

xi) Como ousar acrescentar mais disciplinas aos currículos já de si exagerados, quando as matérias transversais devem ser abordadas e desenvolvidas em projetos que traduzam tal natureza, com tempo, com envolvimento de parceiros credíveis, num trabalho colaborativo sem divisões estanques,

assumindo, sem medos, a área de projeto como algo essencial a proporcionar um trabalho de fundo, pensado e partilhado em comum, sem ficar só dependente do rasgo ou dedicação de professores ou alunos, valorizando a dimensão comunitária do trabalho?

xii) Como não lançar mão de projetos de geminação a nível nacional e internacional, com dotações orçamentais adequadas, que permitam a partilha de saberes, de diferenças culturais, o aprofundamento das línguas e as experiências da cidadania e voluntariado?

xiii) Como não permitir a criação e a introdução nas escolas de campos de trabalho, que permitam uma ligação das aprendizagens ao mundo real?

É natural que o que deixamos alinhavado não esgote, nem de longe nem de perto, o muito que todos podemos e devemos dar, para que a Escola e a Educação que nela se persegue tenham os ingredientes urgentes que precisam: rasgo, paixão, trabalho, resultados e felicidade, que todos merecem ver assegurados na comunidade educativa de cada escola ou agrupamento.


Num tempo em que se pede e espera o contributo de todos, não podíamos deixar de registar o nosso, esperando que outros surjam. Oxalá, a partir deles e do filtro de verdadeiros “mestres da educação”, os decisores políticos consigam sinalizar rumos mais apetecíveis para a Escola do Futuro!


Escola Secundária de Eça de Queirós, 5 de fevereiro de 2022


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