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A arte de ser compreendido

  • Beatriz Mira
  • 1 de fev. de 2022
  • 3 min de leitura

Não é preciso olhar muito longe para encontrar mal-entendidos. As pessoas chateadas umas com as outras vão daquele casal que todas as manhãs briga no metro a nós mesmos com as pessoas que mais gostamos. Rixas estupidas e insignificantes conduzem, por vezes, a meses de zangas infantis. Relações são cortadas sem que percebam claramente o porquê. Nos dias que correm, é tão difícil ser compreendido que pouco falta para receber o estatuto de arte.


Na generalidade, os artistas parecem que nascem ensinados. É bem possível que se encontre crianças de quatro anos a pintar melhor que eu. Miudinhos com mais ouvido para a música que alguma vez terei. A esses, aos que parecem simplesmente nascer assim, apelidamos de “talentosos”. Um talento é algo que ou se nasce com, ou se morre sem. Para apoiar a contrária tese, temos como exemplo os bailarinos. Estes, para quem os anos de carreira são normalmente escassos, ocupam o seu tempo a levar ao limite o seu corpo e, em muitos casos, a sua alma, em prol da arte. Não estou a dizer que não haja bailarinos possuidores de um talento nato porque, apesar do valor que se pode dar ao que acho, eu acredito nisso. No entanto, há quem seja da opinião que cada talento equivale a 30 anos de trabalho. Deparo-me com a obrigação de concordar que talento sem trabalho é infrutífero. Mas apesar do trabalho fazer de um artista quem ele é, o talento é que o destaca.


A grande questão que inquieta a minha mente no meio disto tudo é: a arte de ser compreendido, é talento ou trabalho? Dentro das várias situações com que nos deparamos, há algumas que mais se evidenciam. Existem pessoas cujo à-vontade a falar e a fazer-se compreender é notável. Outras, por mais que se esforcem, nunca são verdadeiramente compreendidas. Como ninguém é igual, as combinações de trabalho e talento diferentes são infindáveis. Até porque nem sempre sentimos que sequer nos tentam compreender... Como se fechassem os olhos só para não poderem dizer que percebem. Tentam evitar, umas vezes, por medo, outras, porque sabem a manutenção de uma relação de qualquer natureza dá trabalho, que a consciência não os deixará em paz se admitirem que precisam dela.


É a política do mais fácil. Do seguro. Do que não envolve expor sentimentos. Do que não envolve risco de nos magoarmos. Mesmo que isso signifique magoar os outros. A nossa geração é demasiado fã desta política. Nós somos especialistas doutorados em análise de riscos. Mas esquecemo-nos frequentemente dos benefícios que um risco pode trazer. Por favor, não me interpretem mal. (Compreendem o que quero dizer agora sobre mal-entendidos?). Não estou a falar em ir a festas e “correr o risco” de se embebedar e dar tudo para o torto. Isso é uma destas duas coisas: burrice ou desespero. E não é a isso que me estou a referir. Os riscos que somos tão apologistas de analisar são os emocionais.


O casal a discutir no metro ensina-nos sobre a forma que podemos ver as nossas relações. O divórcio dos nossos pais também. Cabe a cada um o trabalho de aprender com os erros dos outros e não ir bater com a cabeça no mesmo sítio. Porque, o que é que vale mais? Ter razão ou a amizade? O ego ou o amor? Se nos permitirmos tornar vulneráveis, pode ser que não sejamos atingidos por uma flecha no coração. Um coração depois que atingido por uma flecha tem duas opções: ou se apaixona ou quebra.


Acredito que ser compreendido passará mais por tentar compreender o outro. Nesse processo verão o que realmente pensamos. A arte de ser compreendido é ter a coragem de nos expor. É abandonar as discussões e abraçar as pessoas. É valorizar mais uma amizade do que o próprio umbigo. É tentar deixar tudo em pratos limpos. É tentar esclarecer as coisas. A arte de ser compreendido é tentar.


Texto: Beatriz Mira


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