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  • Maria Inês Curto

"Conta-me Eça!" - A minha verdadeira autobiografia


O seguinte texto, da autoria de Maria Inês Curto, foi um contributo para o concurso "Conta-me Eça" organizado pela Biblioteca Escolar.



Eu, José Maria Eça de Queiroz, nasci com quatro anos de idade, diria… na Póvoa do Varzim. Quase fui considerado um pecado mortal, na época em que nasci, isto é, se os julgamentos e olhares feios matassem já estaria morto há muito tempo, quase o mesmo em que cheguei ao mundo. Não teria acontecido se os meus pais (Carolina Augusta Pereira de Eça de Queiroz e José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz) se tivessem casado antes de eu nascer, mas a minha avó materna era uma chata e não abençoou este “arranjinho”, sabia lá ela coitada! Mas quando a avó partiu para o outro mundo, seja lá ele onde for, eu nasci para este mundo …


A sociedade em que vivi era dominada por uma mentalidadezinha cheia de regras sufocantes, sem sentido nos dias de hoje! E, sobretudo, predominavam muitos preconceitos, que naquela altura pareciam ter fundamento. As pessoas eram guiadas por outras pessoas, essas como fantoches manipulados por falsos superiores, e esses superiores de pés de barro não tinham moral para mascarar as verdades da cidadania entre as pessoas, mas acabavam por fazê-lo.


Dizem que vivi episódios incestuosos em criança, os quais foram relatados no diário da parva da minha prima, coisas de mulher, acho! Apesar de não me lembrar de tais acontecimentos, lá me despacharam para a casa do meu avô paterno, em Verdemilho, no distrito de Aveiro, e rapidamente me enfiaram num colégio interno, no Porto. Mais tarde, depois de alguns anos internado no Colégio da Lapa (coisa chic, chic!) aos dezasseis anos fui estudar Direito na Universidade de Coimbra e por aí fora.


Continuando, sem querer detalhar muito a minha vida em casa, até porque daria direito a muitas confusões à conta da maluca da minha prima, vou contar-vos antes a minha minha vida na escrita e pensamento, enquanto um humano comum, banal, mas com um jeitinho para usar e brincar com as palavras (tem piada, esta!...ahahahahah). Em Coimbra, fui amigo do Antero de Quental, amigo do peito, também com um jeitinho especial para os rabiscos, e com quem passava bons momentos na Póvoa de Varzim. Depois disso, os meus primeiros frutos foram publicados na revista “Gazeta de Portugal”, e mais tarde foram usados para fazer um livro, cujo título é “Prosas Bárbaras”.


A partir dessa altura desisti de escrever para jornais e revistas. Fartei-me dessa vida, então comecei a minha carreira como escritor fantasma. Escrever obras que fascinavam pessoas e deixar-lhes um cheirinho de que eu era capaz de produzir em palavras uma sensação incrível, era algo que nem eu consigo descrever. Era interessante ver como as pessoas desfrutavam dos meus livros, ouvi-las em cafés, parques, salões, tertúlias a discutirem os meus livros, faziam críticas que às vezes me surpreendiam, e eu não seria capaz de fruir desses pequenos nadas se não fosse um escritor fantasma. Ou seja, isso dava-me a vantagem de passar despercebido entre os meus leitores. O que mais me fascinava era o facto de criarem teorias sobre quem eu era, e tentarem desvendar o quebra-cabeças que eu criava com assuntos que não podiam ser escritos de qualquer forma, porque se deixasse uma ponta solta, os “falsos superiores” iriam proibir todas as editoras de lançar as minhas obras.


Uma das razões para eu ser um escritor fantasma foi eu ter sido considerado uma blasfémia, isso deve-se à tal história do início da minha existência, e isso aos olhos da sociedade era de tal forma incorreto que os meus pais tiveram de me esconder da sociedade na quinta do avô, como já referi atrás. Então, como anteriormente tive de me esconder para ser reconhecido como um bom escritor sem que ninguém descobrisse quem eu era, podem conluir o porquê de eu não me dar bem com pessoas, pois nunca aprendi a socializar com elas, apenas me relacionava com poucas pessoas, como o meu querido Antero.

Quando ingressei na Adiministração, fui nomeado Administrador do Concelho de Leiria.

Recordo as minhas viagens pelo mundo, em busca de inspiração para as minhas obras, acompanhado pelo meu futuro cunhado. A inauguração do canal do Suez, a Palestina, onde nasce o meu livro O Mistério da Estrada de Sintra. Fui diplomata, cônsul em Havana de onde guardo tantas peripécias. Vivi muitos anos em Inglaterra onde nasceu o romance A Capital, mudei-me para Paris onde escrevi a minha Ilustre Casa de Ramires.

Aos quarenta anos achei que era altura de casar, eu e a Mila (Emilia de Castro) demos o nó e tivemos quatro filhos. Mas casamos primeiro, senão imaginem a confusão que seria com os nascimentos dos nossos filhos.


E foi em Paris, em agosto de mil e novecentos, dia dezasseis, que lá segui caminho e parti para o outro mundo, como a avó, sem destino. O meu corpo foi enfiado uns tempos nos Prazeres, onde tinha uma vista fantástica, mas passados uns tempos mandaram-me para o Douro. O Norte tem outro encanto!


Por mais que não me relacione bem com pessoas, os meus livros sim. E é por isso que eu ainda não morri, pois, eles continuam a ser lidos, vistos, criticados, tocados, dados, percebidos, analisados, apreciados, elogiados. Essa parte de mim estará sempre viva, logo não morri por completo ou em vão.


Texto: Maria Inês Curto, 8.º C

Revisão: Prof. Adérito Mendes

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