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Que filhos nos entregam os pais?

Nunca foi fácil ser pai e mãe.

Em nenhum tempo, porque, em todo ele, os filhos estavam um passo à frente, a beberem já o futuro que lhes tinha sido entregue como prenda primeira de nascimento.

Começaria logo ali uma espécie de dissensão sobre os caminhos a percorrer e as escolhas de vida. Essa tensão seria temporariamente amansada por dedicados familiares, que iriam depositando nos novos seres gerados regra, doutrina e exemplo, para que o petiz não invocasse a ignorância das letras para evitar cumprimentos esperados. Não faltava até a proximidade eclesiástica, na figura do padre da aldeia, para assegurar que, no domínio religioso, a criatura também mereceria desvelo. Para completar o “ciclo básico de formação” tínhamos direito ao nosso professor primário, expressão que, na altura, me parecia equívoca, mas a que hoje atribuo um enorme sentido. Tudo aquilo, se bem virmos, era primário, exceto o professor que granjeara respeito e fama, por saber coisas importantíssimas, as primárias, para retirar da ignorância cada uma daqueles atentos aprendizes.

No meio de todas estas peças obrigatórias da construção humana, sobrava tempo para desmando: correrias, jogos, bulhas, algumas asneiras e alguns beijos furtivos, claro está. Os excessos logo seriam adequadamente censurados pela vizinhança, pela casa ou pela consciência, ao tempo o juiz implacável.

E hoje, que filhos geram os pais?

Filhos da promessa, fiam-se naquilo que há-de vir. Sem esforço ou sacrifício, a não ser aquele que os progenitores aguentam e suportam para lhes dar prazer. Se o menino se portar bem e tiver bons resultados, lá está, um esforço, outrora natural e obrigatório e agora julgado sobrehumano, a merecer mordomias e prémios, numa espécie de jogo de troca, onde o essencial e o indizível ficam de fora, por não caberem no ecrã de um telemóvel ou de um ipad. Os garotos esforçam-se e muito por olhar para o ecrã, mas o “essencial é invisível aos olhos” e era essa a aprendizagem que eles precisavam de ser ajudados a fazer.

A boa vizinhança desapareceu e, por isso, só restou a esta gente migrar para condomínios fechados ou isolar-se dentro de casa, numa espécie de cativeiro inesperado, que angustia e perde quem o sofre.

Roubaram-lhes a rua, o cheiro e o risco calculado e entregaram-lhes o emblema do club e ou a fama do ginásio, numa troca injusta, onde tudo é dinheiro.

Talvez seja tempo de roubarmos esta gente à clausura, e permitindo-lhes uma espécie de” áurea mediania” feita de imprevisto, de caminho, de serras e vales, deixando-os ser invadidos pelo mistério, pelo espanto e pela beleza.

Talvez toda esta novidade os retire da “pureza urbana”, numa vida programada, virtual, repetitiva, invisível e surda que os contaminou e nos consome a todos .

Volta-me à memória o texto de Sofia sobre Mónica e apetece-me perguntar aos pais: porque não nos entregam filhos com fome de mistério, de poesia, de amor e santidade, para os “descontaminar”?

Lisboa-28 de janeiro de 2023-Acúrcio

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