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As baratas das 8h11

  • Beatriz Mira
  • 4 de mai. de 2022
  • 1 min de leitura

Atualizado: 23 de jun. de 2022

Todas as manhãs, apanho o comboio das 7:33. É um regional e, apesar de parar em muito menos estações que os, mais comuns, suburbanos, vai sempre cheio.

A primeira vez que fiz o percurso, tão normal para os trabalhadores de Lisboa, de descer do comboio e apanhar o metro, fiquei chocada. Eu pensei “nunca vou ser assim”. Não conseguia decidir se as pessoas à minha volta pareciam zombies, máquinas ou baratas. Ainda todas cheias de sono, dirigiam-se automaticamente para o subsolo. Desciam todas as escadas rolantes apressadas.

Como é que era possível tanta, mas tanta gente assim? Sem vida, sem alma, presos à rotina. Eu não queria ser assim. Repudiavam-me a ideia de vir a tornar-me mais uma sardinha em lata na carruagem do metro, drogada pela música que sai dos fones e que todos à volta ouve.

Já pequena na multidão, retraia-me ainda mais. “Quem é que eu quero ser?”, “Que estilo de vida vou viver?”, perguntava-me. Cantarolava baixinho na esperança que isso me diferenciasse de quem me rodeava. Tentava imaginar que estas pessoas realmente o eram. Inventava a história de cada um, o que teriam vivido, a sua situação atual. Mas tenho que admitir que, apesar da minha vasta criatividade, não era uma tarefa fácil.

Era uma multidão silenciosa por entre o barulho das linhas e dos tuneis.

Evitei apanhar o metropolitano durante quase um ano. No entanto, eventualmente, fui obrigada a admitir a sua praticidade. Comecei a andar nele, tentando ignorar tudo o que me incomodava. A certa altura, deixou de me fazer confusão. Habituei-me. Sou, agora, uma das mais baratas do metro das 8:11.


Beatriz Mira

1.º de maio, Dia do Trabalhador

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